
O home office que não deu certo
Publicação em 19.03.20Arte EV sobre foto Google Imagens

Para prevenir a disseminação do coronavírus, famílias e empresas vêm adaptando suas rotinas. Em um escritório de advocacia capitaneado por um casal e seu filho, determinou-se que os colaboradores trabalhariam remotamente de suas residências, o famoso home office, enquanto perdurasse o risco de contágio.
O curioso é que todo o núcleo familiar residia sob o mesmo teto. Foi decidido, em reunião, que para não prejudicar o desempenho profissional, durante o horário de expediente, colocariam de lado a relação familiar e adotariam uma postura estritamente profissional, como se estivessem no escritório.
Na primeira manhã da quarentena, a mãe prepara um lauto breakfast para seus sócios-familiares:
- Aproveitem esse café da manhã reforçado, porque hoje o dia será puxado aqui nesse escritório, hihihi! – diz a matriarca, curtindo a brincadeira que, acreditava, ajudaria a aliviar o peso do confinamento.
Mas aquele momento lúdico estava para acabar. Minutos depois das 9h da manhã, mãe e filho chegam na sala e deparam-se com o patriarca diante do computador, de terno, gravata e gel no cabelo. Seus olhos agora fulminam o filho de pijama e pantufas, e a esposa com o cabelo desgrenhado:
- Isso é hora de chegar? A pauta está atolada, pessoal! Conto com a colaboração de vocês - interpela, duramente, o varão.
Ninguém fala nada, embora seja possível perceber marejarem-se os olhos da varoa. O jovem dá uma praguejada, mas senta-se rapidamente como que para compensar seu atraso. Mas o pai não parece satisfeito.
- Você vai trabalhar assim?
- Assim como? - indaga o neófito.
- Assim... de pantufas! De pijama! Não temos um dress code? E a dignidade da profissão? Tira uma foto assim pra carteira da OAB! Eles cancelam a tua inscrição na hora!
E ao som de gritos e xingamentos, o garoto traja sua indumentária e retorna para a sala, percebendo que sua mãe também aproveitara a oportunidade para paramentar-se. Tudo parecia entrar nos eixos quando o jovem pergunta:
- Mãe, o que você vai fazer para o almoço?
A mulher franze o cenho, para de digitar e engole em seco. Suas veias do pescoço tornam-se aparentes. É possível ouvir o trincar dos seus dentes. Em seguida, vem o desabafo:
- O que é isso? O rabo querendo balançar o cachorro? Você sabe que eu sou sócia fundadora desse escritório? Por que eu deveria fazer almoço pra você? Por que eu sou mulher?
A partir daí a coisa descamba e assim passam-se os dias da quarentena, até que é possível retomar o expediente no escritório propriamente dito.
A família de advogados dá, então, as boas-vindas de volta à sua equipe. Os colaboradores reparam que os sócios não se fitam nos olhos e que não falam entre si, externando flagrante animosidade.
Um estagiário, então, cochicha para outro:
- Não mudou nada...