
Juízo 100% digital: o fim da privacidade
Publicação em 30.10.20Imagem: Freepik - Arte EV

Em um escritório de advocacia, começa a primeira conversa entre o advogado e seu novo cliente:
- Em primeiro lugar, muito obrigado pela confiança - diz o advogado. Por favor, me explique em detalhes o que aconteceu.
- É o seguinte, doutor...
De repente, o celular do causídico vibra e ele interrompe a conversa, desculpando-se:
- Recebi mensagem de áudio. Desculpe-me, mas preciso ouvir.
O ambiente é, então, inundado por uma campanha publicitária: “Empréstimo facilitado para advogados! Ligue agora mesmo!...”
O doutor fecha, rapidamente, a mensagem, e apressa-se em explicar:
- Peço desculpas por esta embaraçosa interrupção. É que com a criação do Juízo 100% Digital, fomos obrigados a colocar nas petições os números de telefone celular, tanto do advogado, quanto do cliente, sendo admitida a citação, a notificação e a intimação por este meio, conforme a Resolução nº 345, do CNJ.
O advogado complementa:
- Como as petições são públicas, perdemos completamente a privacidade, pois o número do nosso celular pode ser visto por qualquer pessoa. Ou seja, é um prato cheio para as empresas de publicidade e telemarketing. Assim, sempre que recebo mensagens de números desconhecidos, tenho que ouvi-las, pois pode ser alguma intimação ou ato processual urgente.
O celular do causídico vibra, de novo. Ao clicar para ouvir a mensagem, outra propaganda: “Não deixe o estresse da vida forense prejudicar sua performance! Não perca mais prazo! Clínica Alfa-Lawyer!
Como já havia justificado a questão das publicidades inconvenientes, o advogado limitou-se a encerrar a reprodução da mensagem e pede para que seu cliente exponha os detalhes de seu caso.
A conversa fluiu melhor, em que pese tenha sido interrompida algumas vezes com mensagens do tipo “Adquira uma sala na Ponta do Pontal; seu escritório com a melhor vista!” E até mesmo uma mensagem intrigante: “Se você está cansado de receber nossas mensagens publicitárias, a solução é muito simples: contrate-nos logo!”
Após ouvir toda a exposição dos fatos pelo seu cliente, o advogado começa a explicar-lhe a estratégia processual. Mas é necessária uma ponderação:
- Podemos utilizar o Juízo 100% Digital, que será mais célere, mas, daí, terei que colocar o número do seu telefone celular na petição e o senhor está vendo como é...
- Mas nem pensar! - atalha o cliente.
Ele ia seguir falando, quando outra mensagem interrompe a conversa: “Aumente seu pênis em tempo recorde com um método simples e indolor!”
- Santo Deus! Mil desculpas por isso! Eu não tinha ideia de que poderia ser uma mensagem tão constrangedora! – exclama o advogado que, apesar disso, prossegue. Enfim, o que o senhor dizia?
Pensativo, depois da última mensagem, o cliente reconsidera:
- Pensando bem, vamos de Juízo 100% Digital. Afinal, uma publicidadezinha nunca matou ninguém...