
Compliance tupiniquim
Publicação em 11.12.20Imagem: Freepik - Arte EV

O Conselho de Administração de uma grande empresa exige que seu diretor executivo contrate uma consultoria para implementação de um programa de compliance, que, mal resumindo, é um conjunto de procedimentos destinados a assegurar que a empresa e seus colaboradores cumpram regras internas e externas.
O presidente do Conselho assegura:
- Compliance é o último grito em consultoria jurídica.
O diretor executivo, então, delega a tarefa para o diretor jurídico que, após meses de prospecção, lhe apresenta duas consultorias.
- Penso que o senhor, caro presidente, é quem deve escolher, pois ambas seguem linhas bem distintas - diz o diretor jurídico.
O jovem sócio da primeira empresa ostenta uma invejável titulação, toda obtida na Europa. Na entrevista demonstra a seriedade do compliance, e avalia que “as atuais práticas da empresa são relaxadas, expondo a Companhia a gravíssimos riscos”.
- Fiquei até envergonhado da minha gestão - confidenciou o diretor executivo ao seu colega da área jurídica, logo depois da reunião.
- Por isso mesmo, penso que você deve conhecer a outra consultoria - propõe, justamente, o diretor jurídico.
O segundo consultor é muito mais decolado que o anterior. Terno super slim, sem meias, sem gravata e cheio de borogodós. Muito bem sucedido e autoconfiante, ele tranquiliza os diretores, ainda abalados pela reunião anterior.
- Não liguem para esse meu concorrente. Ele titulou-se no exterior, mas estamos no Brasil. Aqui o sistema não recompensa o compliance. Aqui, o que dá lucro é o aventuriance.
- Quer dizer que aqui não é preciso cumprir a lei? - indaga, desconfiado, o diretor executivo.
- O que você chama de lei? O que está escrito? Aqui no Brasil, isso é relativo. A lei dizia que o sujeito condenado não poderia ser preso, antes do trânsito em julgado. Ainda assim, se entendia que ele poderia ser. Daí, deixou de poder, voltou a poder e deixou de poder, de novo.
O consultor prossegue:
- A Constituição diz textualmente que o presidente das Casas Legislativas não podem se reeleger. Ainda assim, cinco ministros do Supremo votaram autorizando a reeleição do presidente do Senado. E dizem que, dos seis que votaram contra, alguns mudaram o voto, em cima da hora.
O consultor insiste que, no Brasil, é mais fácil remediar do que prevenir:
- Para quem não paga impostos, sempre surge um REFIS. Aqueles que descumprem ordens judiciais, o fazem por saberem que o STJ reduzirá as multas. E quando tudo dá errado, sempre rola uma modulação de efeitos para não prejudicar quem se aventurou demais.
O consultor finalmente conclui:
- Meu papel é ajudá-los a descumprir corretamente a lei.
Tempos depois, quando o Conselho da empresa se reúne, novamente, o diretor executivo é cobrado sobre a contratação da consultoria de compliance, ao que ele responde:
- Fiz melhor! Contratei uma aventuriance. É quase a mesma coisa... só que tem mais a nossa cara...