
Imprevistos, intimidades e extravagâncias
Publicação em 22.12.20Ilustração de Gerson Kauer

O fato se passa numa audiência criminal. O casal havia se separado e, depois disso, o ex-marido teria ameaçado a esposa, o que os leva ao fórum para a resolução da pendenga.
A juíza expõe a vantagem da transação e do consequente arquivamento. A mulher concorda em nome da paz, mas exige que o marido lhe entregue “os meus bens pessoais que ficaram na casa dele”.
O homem, previdente, diz que “não há problema, estou com os tais bens em meu carro”. Prontifica-se a buscá-los. Suspensa a audiência por poucos minutos, o homem vai até seu veículo e volta com uma caixa. Coloca-a no chão e, de
seu interior, começa a retirar peças e objetos, colocando-os sobre a mesa. A primeira é uma calcinha - diminuta e roxa.
- Lembra-se, foi comprada em Paris? – ele provoca.
A mulher dá de ombros. A segunda peça é o sutiã:
- Sem o porta-seios, a calcinha não teria valor, pegue e faça bom uso – diz o homem.
A mulher segue calada, com a cara amarrada.
A terceira peça é... – imaginem o leitor e/ou a leitora.
– Você não iria poder viver sem ele – o homem então coloca em cima da mesa um sugestivo artefato erótico de silicone.
Nesse momento, a mulher explode:
– Guarda contigo. Isso não é meu... Que absurdo!
Seguem-se palavras de baixo calão, de parte a parte. E novas provocações:
– É seu!
– Não! Não é meu!
– É seu, sim! Você até o apelidou de maranhão...
– Mentiroso, safado, tu é que usavas ele...
A juíza, ruborizada, intervém:
– Tirem o maranhão daqui, ou chamo a polícia.
Ninguém toma a iniciativa e, assim, o maranhão jaz sobre a mesa. A magistrada reitera: vai chamar a polícia. É aí que o advogado do marido diz que resolveria o problema: pega o maranhão, retira-o de cena e o enfia embaixo do próprio paletó.
O artefato, assim, sai da cena judiciária.
Assinado o acordo, antes que todos deixem a sala, o advogado do marido trata de esclarecer:
– Informo que descartarei o maranhão, imediatamente após, na cesta de lixo aqui do andar.
Então, levanta-se e executa a tarefa final. Nunca mais, no foro, fica-se sabendo do destino do maranhão.
Mas há quem especule que mãos travessas se apropriaram do objeto, antes que ele fosse levado na coleta rotineira do Departamento de Limpeza Urbana.
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Adaptado a partir de um texto do desembargador Gilberto Ferreira (TJ-PR), publicado em “A Justiça Além dos Autos”, editado pelo CNJ (2016).