Pantomima da impunidade
Publicação em 05.02.21Charge Correio Braziliense

Por Gustavo Ronchetti, promotor de justiça em Porto Alegre - ronchetti@mprs.mp.br
Artigos
Em julho de 2019, publicou-se texto de minha autoria neste prestigioso Espaço Vital sob o título “A quem interessa a liberação do tráfico de drogas?”. Em um dos tópicos, aludi a decisões de um magistrado que, em sede de plantão judicial, advogava a necessidade da descriminalização judicial da atividade comercial do dito pequeno traficante.
Instada, a Corregedoria da Justiça afirmou que o magistrado agiu sob o manto da independência judicial. Na oportunidade, frisei que, conforme o próprio CNJ, o princípio da independência não pode autorizar o descumprimento inequívoco da legislação.
Lamentavelmente, o Plantão Criminal - foro absolutamente sensível que deve ficar imune a ativismos que solapem a observância da legislação - volta à cena jurídica... E na mesma vibe da impunidade e descumprindo orientações da própria CGJ.
Inicialmente, porque prolatam-se decisões de soltura sem prévia intimação do Ministério Público - órgão ao qual compete a representação da sociedade - sob argumentos de que a intimação do “Parquet” é desnecessária por ser melhor para o preso a liberação imediata. Assim, o órgão titular da ação penal pública no Brasil é alijado da crucial etapa do flagrante...
Ora, se um magistrado deseja fazer as vezes de promotor de justiça, alijando-o do processo na etapa do flagrante e se substituindo a ele, prestou o concurso errado.
Mas há outra situação ainda mais abominável do que o ativismo judicial, que encena verdadeira pantomima (cfe. Michaelis, “logro ou embuste”) da impunidade.
Decisões do plantão do Foro Central de Porto Alegre determinam a soltura do flagrado MEDIANTE COMPROMISSO de comparecer mensalmente ao fórum ou mediante compromisso de não alterar o endereço, ou ainda de recolhimento domiciliar noturno. Na prática, porém, o cidadão ao ser liberado não assina nenhum compromisso nem comparece ao Foro, tampouco é fiscalizado o recolhimento domiciliar, tudo motivado (alegadamente) pela pandemia que não é de ninguém ignorada.
Quando o cidadão que foi liberado é procurado para dar sequência ao processo penal e não é encontrado, alguns juízes, de forma descomprometida com a efetividade das decisões anteriores de seus colegas, escudam - ante a ausência de assinatura “do compromisso” pelo liberado - a impossibilidade de exigir-lhe que mantenha endereço atualizado, não só fazendo tábula rasa da decisão que o liberou com condições, como também obrigando o Estado a procurar o beneficiado com a soltura pelo mundo afora.
Ou seja, a decisão judicial de liberdade “sob condições” é um verdadeiro faz-de-conta, pois as condições não são cumpridas nem são exigidas dos liberados sob pretextos de práticas que caberia à própria Justiça viabilizar - mas não o faz. Simples: seria fácil fazer chegar ao liberado as condições para sua liberdade ANTES de ele ser solto.
A propósito, a LOMAN é clara acerca do dever de zelar pelo cumprimento das decisões.
Leia na base de dados do Espaço Vital: “A quem interessa a liberação do tráfico de drogas?”.