Advogado/a versão 2021
Publicação em 30.03.21Arte EV sobre foto Divulgação Banco de dados da Fiat


Por Simone Maria Serafini, advogada (OAB/RS nº 32.072). simone.ser@ig.com.br
Após praticamente dois anos sem advogar, por causa das várias paralisações do Judiciário, estou aderindo ao modelo muito usado e protegido por lei de sobrevivência: o calote. Sim, meus senhores. Passo meus dias paralisada e cantarolando “No-tengo-dinero”...
Sempre fui uma compulsiva pagadora de boletos. Nunca devi e, para sair ilesa, nem usei as desculpas e expedientes de devedores (que em toda minha carreira persegui e lutei contra. Não passei o calote e escrevi na minha rede social: “Partiu praia...”, “Partiu balada...”
Mas a vida é uma caixinha de surpresas. Este ano, depois de mais de 20 anos de contribuição, não pagarei a anuidade da OAB. Usarei o que aprendi nestes anos todos advogando contra devedores: vou recorrer.
Recorrerei primeiramente da forma mais suave (comum no início do vício de ficar devendo), que é apelando para o lado sensível do credor. Alegarei diversas tragédias e desculpas que povoam a criatividade do caloteiro de primeira instância. Depois obviamente terei que me conformar em me tornar sócia daquele clube, o SPC (“Sem Piscina Clube”)...
Em todos estes anos de contribuição não espontânea para a minha entidade de classe, nunca tive qualquer proveito econômico com as minhas contribuições. Nunca usei minha carteira para conseguir qualquer tipo de desconto ou benefício.
Em outro comentário que fiz, tempos atrás aqui no Espaço Vital, anunciei que faria um cursinho on line de malabares, para uma performance charmosa em algum semáforo disponível. Fracassei. Não consegui viver da minha arte.
Resta-me a derradeira etapa: virar uma UBER.
Por isso, procuro uma ELBA 95 (vintage) para transformá-la em carro de aplicativo. Minha desculpa para familiares e amigos chocados será: “O artista tem que estar onde o povo está...´´
A advocacia está com os dias contados. O Judiciário está pouco a pouco nos exterminando e seremos substituídos pelo Google.
Na pandemia, como em alguns Estados, foi oferecido auxílio aos advogados pela OAB. Aqui no RS me ofereceram um empréstimo. O juro era maior do que o anunciado pelo banco onde tenho conta. E eu tinha que responder a tantas perguntas, que era mais fácil entrar para o bolsa família ou Big Brother.
Nem uma agenda é dada de graça para o advogado. Preciso pagar ou dar alimentos não perecíveis para adquirir. Cortaram até o café!
Então, neste 2021, no sorteio que estou realizando para ver qual boleto irei pagar, a anualidade da OAB já perdeu feio. A entidade terá que me cobrar.
Não estou trabalhando. Sou (acho) membro do Judiciário e estou esperando a invenção do Morosa Vac, a vacina que provoca uma vontade arrebatadora de trabalhar no indivíduo. Dose única e com vírus vivo do quati.
Por fim, responderei aos telefonemas de cobrança, com notas de expediente: “Estou paralisada para não disseminar o vírus”; “Estou conclusa aguardando vacina”; “Sem pauta até o fim do ano”; “Devo, não nego, pago quando sair um alvará...”
Direi também que esperem eu voltar a trabalhar, mas adiantarei que já há várias empresas atrás de mim: RGE, Net, Corsan...muita calma nesta hora.
Como diria meu bem humorado avô: “Melhor viver um tempo no vermelho, do que a vida toda no amarelo”... eles que lutem!