
ChatGPT vai tirar até o emprego dos estagiários, dos assessores e dos juízes
Publicação em 17.11.23
Depositphotos / Edição EV
Com o rumo da prosa do avanço da Inteligência Artificial (na verdade, inteligência plagiadora, como diz Noam Chomski), até a estagiariocracia está com seus dias contados. Assessores e estagiários serão substituídos por robes. Depois serão os juízes.
Lembremos que o presidente da Suprema Corte disse que encomendou um ChatGPT só para o Judiciário. Ele será alimentado com toda a jurisprudência para elaborar esboços de decisões. Aquilo que hoje a assessoria e os estagiários fazem. Quem disse foi o Min. Roberto Barroso. Não briguem com o mensageiro.
Vejam como a história prega peças e o diabo (que sempre sabe por velho e não por diabo) mora nos detalhes. É o que aconteceu na descoberta do ChatGPT estelionatário. Explico. Segundo noticiário, o CNJ está investigando um caso inédito na magistratura brasileira: uma sentença assinada por um juiz federal, do TRF-1, que, na verdade, foi feita por meio de Inteligência Artificial, via ChatGPT.
O problema foi que o ChatGPT simplesmente inventou jurisprudências do STJ. O advogado da parte derrotada na ação descobriu a fraude e reclamou.
O juiz transferiu a responsabilidade, duplamente. Disse que essa parte da sentença foi feita por um servidor do seu gabinete. Chamou o ocorrido de "mero equívoco (...) decorrente de sobrecarga de trabalho que recai sobre os ombros dos juízes que integram o TRF-1". Parece que o TRF1 não considerou o fato relevante. A corregedoria do tribunal arquivou o caso. Agora o CNJ entrou em campo.
Essa é a ponta do iceberg. Terceiramos tanto a atividade que o robô coloca o direito a nu. Agamben fala da “vida nua”, “aquela que qualquer um pode tirar sem cometer homicídio, ou aquela que qualquer um pode levar à morte, em que pese seja insacrificável”. Eu há décadas denuncio o “direito nu”. Um direito descontado. Um direito que desrespeita o cidadão.
Direito nu é aquele que pode ser tirado de qualquer pessoa sem que se diga que há injustiça. Sem remorso.
O caso do ChatGPT estelionatário mostra que o buraco é mais fundo. E o que dizer do uso aleatório de “precedentes”? Todos os dias perdem-se propriedades e liberdades. Decide-se e depois se busca (via internet) uma decisão que confirme a decisão (já tomada). Inverte-se o sentido da decisão. Precedente é meio. E não fim. Enfim...
Pois agora o ChatGPT faz a coisa de forma sofisticada. Com floreios. Mas, atenção: não fiquemos com a falsa impressão de que o problema é o ChatGPT. Devemos pensar para além do ChatGPT. O Judiciário e o MP têm problemas muito maiores. Isso aqui é apenas um acepipe.
Um jus acepipe.